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terça-feira, 26 de junho de 2012

Doenças Metabólicas que afetam o Cérebro


Introdução
As doenças metabólicas são conseqüentes a erros inatos do metabolismo e são estudadas por uma área específica da genética, a bioquímica genética. Para algumas já há tratamento e a resposta varia de acordo com a doença e a habilidade do clínico e da família para cuidar da criança. Para a maioria, ainda não se dispõe de terapêutica eficaz. Neste caso, o tratamento restringe-se em oferecer à criança suporte clínico e medidas que visam melhor qualidade de vida.
Essas doenças podem ter repercussão direta sobre o sistema locomotor, como as doenças lisossômicas de depósito, que causam, por exemplo, restrições articulares e deformidades esqueléticas, ou indireta, lesando o cérebro e provocando disfunções motoras. Os erros metabólicos que afetam o sistema nervoso central (cérebro e medula) são classificados por grupos e sub-grupos (Tabela 1). A classificação torna mais clara a compreensão dos diversos sub-grupos de doenças, que constituem cada um uma ‘unidade nosológica’, em termos de raciocínio clínico. A identificação de cada doença que compõe estas ‘unidades nosológicas’ é realizada não por suas características clínicas, geralmente inespecíficas, mas pela investigação laboratorial, que permite o diagnóstico através da identificação das alterações bioquímicas presentes. Os subgrupos são vários e o número de desordens conhecidas é muito grande. A clínica é bastante variável e a maioria dessas doenças é de incidência rara, o que traz dificuldades para o diagnóstico.
Tabela 1 - Classificação e Exemplos de Doenças Metabólicas que Afetam o Cérebro
Grupo
Sub-Grupos/Exemplos de Doenças
Desordens do Metabolismo IntermediárioDeficiência de diferentes tipos de enzimas causa bloqueio de vias metabólicas, interferindo com a produção de energia e os produtos formados (de baixo peso molecular) acarretam intoxicação endógena.Metabolismo de aminoácidos   Fenilcetonúria
   Homocistinúria
   Hiperglicinemia não cetótica
   Doença do xarope de bordo
Metabolismo de ácidos orgânicos   Acidúria metilmalônica
   Acidúria isovalérica
   Acidemia propiônica
Ciclo da uréia   Citrulinemia
   Acidúria arginosuccínica
Doenças Lisossômicas de DepósitoDeficiência de diferentes tipos de enzimas fazendo com que substratos (de alto peso molecular) não sejam degradados.
Acúmulo anormal destes no interior da célula
Mucopolissacaridoses   Mucopolissacaridoses I-IV, VI e VII
Esfingolipidoses   Doença de Niemann-Pick
   Doença de Gaucher
   Doença de Fabry
   Doença de Krabbe
   Leucodistrofia metacromática
   Gangliosidoses
   Pseudo-Hurler (GM1)
   Doença de Tay-Sachs (GM2, variante B)
   Doença de Sandhoff (GM2, variante 0)
   Deficiência de ativador do gangliosídio GM2 (GM2, variante AB)
Mucolipidoses   Mucolipidose II (I-cell disease)
   Mucolipidose III
Glicoproteinoses   Manosidose
   Fucosidose
   Sialidose (mucolipidose I)
   Glicogenoses
   Glicogenose II (Doença de Pompe)
Desordens do
Metabolismo do Cobre
Doença de Wilson
Doença de Menkes
Desordens do
Metabolismo das Purinas
Síndrome de Lesch-Nyhan

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Desordens do metabolismo intermediário
Aminoacidopatias
As aminoacidopatias são distúrbios do metabolismo dos aminoácidos causados pelo funcionamento deficiente de uma enzima envolvida na conversão de um aminoácido em outro ou na via catabólica deste aminoácido. Como conseqüência, há aumento da concentração do precursor situado antes do bloqueio da via metabólica e diminuição da concentração do produto após o bloqueio. Os mecanismos de produção das doenças podem ser devidos ao acúmulo de substrato ou à falta do produto. Na Figura1 temos as vias metabólicas da fenilalanina e tirosina, que ilustram estes mecanismos. Na fenilcetonúria, a patogenia se dá tanto pelo excesso de substrato (fenilalanina) como pela falta de melanina (falta de produto).
Figura 1. Vias metabólicas da fenilalanina e tirosina e exemplo de três erros metabólicos. As substâncias cujas concentrações estão aumentadas na fenilcetonúria estão demonstradas em vermelho. As em verde representam os bloqueios metabólicos.
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Fenilcetonúria (PKU)
Existem duas formas patogênicas de hiperfenilalaninemia, denominadas coletivamente fenilcetonúria. A forma clássica é determinada pela deficiência da enzima fenilalanina hidroxilase (PAH) e a forma ‘maligna’ por um defeito no ciclo do BH4 (tetrahidrobiopterina), cofator para PAH (1 a 3% de todos os casos de PKU).
Na hiperfenilalaninemia benigna persistente, os níveis plasmáticos de fenilalanina não causam o aparecimento de sintomatologia clínica e quem tem esse tipo de fenilcetonúria geralmente não necessita tratamento. Entretanto, a gravidez de uma gestante com hiperfenilalaninemia constitui risco para o concepto saudável, pois os níveis de fenilalanina atingidos nos tecidos fetais podem causar lesões cerebrais (embriopatia tóxica). Assim, mães com hiperfenilalaninemia, algumas das quais com inteligência normal, ou com hiperfenilalaninemia benigna persistente, têm crianças sem o erro metabólico, mas com cardiopatia, microcefalia e retardo mental. A prevenção da embriopatia tóxica é feita com dieta pobre em fenilalanina, de modo a manter-se os níveis plasmáticos do aminoácido entre 4 e 6 mg/dl (alguns autores preconizam níveis ainda menores), três meses antes da concepção, devendo persistir nesses níveis por toda a gestação. O descontrole metabólico durante o período gestacional, mesmo por curtos períodos, coloca o feto em risco para malformações.
Nas formas patogênicas, ao nascimento as crianças são clinicamente normais, mas já nos primeiros meses pode haver atraso do desenvolvimento psicomotor e distúrbio da pigmentação, traduzido clinicamente por uma tendência das crianças a terem a pele, os cabelos e os olhos mais claros do que o restante dos familiares. Irritabilidade e vômitos podem ser proeminentes. Crises convulsivas são observadas em 25 por cento dos casos, podendo, nas crianças menores, assumir as características de espasmos em flexão. Microcefalia, retardo mental e hiperatividade são achados comuns nas crianças maiores. Aumento do tônus muscular e outras alterações observadas quando há lesão das vias nervosas responsáveis pelo início dos movimentos voluntários podem, também, estar presentes. Na forma ‘maligna’, as alterações neurológicas são mais graves do que na clássica e representadas, principalmente, por distúrbio do tônus muscular.
Típicamente, a urina de crianças com fenilcetonúria não tratada tem odor peculiar (descrito como semelhante ao encontrado em ninhos de rato), embora isto seja observado somente em uma porcentagem de pacientes.
Exames Complementares
  1. O diagnóstico é confirmado pelo nível de fenilalanina no sangue.
  2. Dosagens das pterinas na urina e de neurotransmissores são realizadas nos casos em que há suspeita de hiperfenilalaninemia ‘maligna’. O teste de sobrecarga de BH4 é realizado através da administração de BH4, sendo realizadas dosagens de fenilalanina basal, quatro e oito horas após a ingestão da droga. Nos casos em que há deficiência do cofator, os níveis plasmáticos de fenilalanina se normalizam rapidamente.
  3. Grande porcentagem das crianças apresenta eletroencefalograma alterado.
Tratamento
  1. Dietas com concentrações baixas em fenilalanina, orientadas por equipes de nutricionistas especializadas, objetivando prevenir ou minimizar as seqüelas neurológicas. Para os lactentes existem preparações comerciais de leite em pó pobre em fenilalanina. O tratamento deve ser mantido preferencialmente por toda a vida.
  2. Administração de BH4, DOPA e triptofano nos casos de fenilcetonúria por deficiência de BH4.
  3. Anticonvulsivantes, se indicados.
Prognóstico
As crianças diagnosticadas e tratadas precocemente apresentam desenvolvimento cognitivo normal, mas algumas persistem com hiperatividade ou outros distúrbios de comportamento.
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Homocistinúria
Causada, pelo menos, por duas deficiências enzimáticas. A clínica é semelhante, mas ocorrem variações em cada tipo. As manifestações mais constantes são o retardo mental e o biotipo marfanóide (estatura elevada com membros longos e delgados). Aumento do tônus muscular, convulsões e distúrbios psicóticos podem estar presentes.
Na deficiência da cistationina beta-sintase, tipo mais freqüente, trombos tanto venosos quanto arteriais são freqüentes e acidentes vasculares cerebrais múltiplos podem resultar em hemiplegia ou outras síndromes neurológicas.
A segunda forma mais freqüente resulta da deficiência da metilenotetrahidrofolato redutase e pode cursar com anemia megaloblástica (células vermelhas grandes).
Exames Complementares
  1. O diagnóstico pode ser suspeitado pela prova do cianeto-nitroprussiato positiva na urina, mas pode haver negatividade. Caso positiva, está indicado realizar o teste do nitroprussiato de prata, o qual é mais específico.
  2. Se possível, quantificar por cromatografia de camada fina ou, preferencialmente, por cromatografia líquida de alta performance (HPLC) a homocistina e a metionina plasmáticas, possibilitando assim diferenciar as duas formas citadas. A quantificação de aminoácidos é imprescindível para firmar-se o diagnóstico com segurança.
Tratamento
  1. Crianças com deficiência de cistationina beta-sintase podem se beneficiar com altas doses de vitamina C. Outras respondem à administração de piridoxina.
  2. As dietas com baixo teor de metionina, se iniciadas precocemente podem, também, prevenir ou retardar um número variável de complicações na deficiência de cistationina beta-sintase.
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DOENÇAS LISOSSÔMICAS DE DEPÓSITO
As doenças lisossômicas são causadas por deficiências enzimáticas específicas resultando em depósito anormal de substratos normais ou de seus produtos catabólicos dentro dos lisossomos (organelas citoplasmáticas que compoem o aparelho digestivo das células).
Mucopolissacaridoses (MPS)
As principais alterações são opacificação de córnea, cifose tóraco-lombar, alargamento de punhos, aumento de baço e fígado, retardo mental, regressão neurológica, baixa estatura, megaencefalia, traços faciais grosseiros, abdome protuberante e disostose múltipla (defeito de ossificação).
Dependendo do tipo de MPS, pode ou não haver retardo mental e regressão neurológica, ou opacificação de córnea. Os tipos de mucopolissacarídios (glicosaminoglicanos) excretados são evidenciados pela cromatografia de mucopolissacarídios urinários e variam conforme o tipo de MPS (Tabela2).
Tab. 2. Classificação das Mucopolissacaridoses
Classificação NuméricaNomeManifestações Clínicas
MPS I H
Hurler
Opacificação de córnea, disostose múltipla, órgãos grandes, doença cardíaca, retardo mental, sobrevida diminuída
MPS I H/S
Hurler/Scheie
Fenótipo intemediário entre Hurler e Scheie
MPS I S
Scheie
Opacificação de córnea, limitações articulares, inteligência normal
MPS II (grave)
Hunter
Disostose múltipla, órgãos grandes, sem opacificação de córnea, retardo mental, sobrevida diminuída
MPS II (leve)
Hunter
Inteligência normal, baixa estatura
MPS III A
Sanfilippo A
Retardo mental, hiperatividade, relativamente poucas manifestações somáticas
MPS III B
Sanfilippo B
Fenótipo similar a MPS III A
MPS III C
Sanfilippo C
Fenótipo similar a MPS III A
MPS III D
Sanfilippo D
Fenótipo similar a MPS III A
MPS IV A
Morquio A
Anormalidades esqueléticas típicas, opacificação de córnea, hipoplasia de odontóide (estrutura da primeira vértebra que se articula com a segunda)
Existem formas mais leves
MPS IV B
Morquio B
Espectro de gravidade como na MPS IV A
MPS VI
Maroteaux-Lamy
Disostose múltipla, opacificação corneana, inteligência normal, sobrevida diminuída nas formas graves
MPS VII
Sly
Disostose múltipla, aumento de fígado, amplo espectro de gravidade

As crianças nascem sem as alterações clínicas descritas, mas apresentam envolvimento progressivo variável, após os primeiros meses de vida, desenvolvendo-se o quadro clínico específico, conforme a deficiência enzimática presente e a forma da doença.
O retardo mental é principalmente encontrado nas síndromes de Hurler, Hunter (herança ligada ao cromossomo X), Sanfilippo, e também na MPS VII. Na síndrome de Scheie a criança geralmente tem desenvolvimento cognitivo normal. Na Maroteaux-Lamy, as alterações clínicas podem variar e perdas cognitivas não tem sido observadas.
Dentre as doenças metabólicas que afetam o sistema nervoso central, as MPS são as mais freqüentemente atendidas no SARAH.
Exames Complementares
  1. O grau de envolvimento esquelético varia conforme o tipo e a forma de MPS. O estudo radiográfico mais importante para a complementação diagnóstica é o raio X simples com as seguintes incidências: perfil da coluna (transição tóraco-lombar), perfil de crânio (sela turca), mãos e pés (ântero-posterior), que embora não sejam específicas, em nossa prática têm se mostrado bastante sensíveis.
  2. O screening com os testes do azul de toluidina (Berry spot test) e do brometo de CTMA (teste de Dorfmann) pode orientar o diagnóstico e a confirmação é feita através da dosagem enzimática em fibroblastos e leucócitos, orientada pela cromatografia de mucopolissacarídios (glicosaminoglicanos).
Tratamento
O transplante de medula óssea, embora ainda considerado experimental nas mucopolissacaridoses, tem sido realizado com bons resultados na MPS VI (Maroteaux-Lamy). A indicação desta modalidade terapêutica nos outros tipos de MPS é controversa.
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Esfingolipidoses
Desordens do Metabolismo dos Esfingolipídios
Doença de Niemann-Pick
Classificada em três tipos: A, B e C. Nos dois primeiros tipos, a esfingomielinase encontra-se deficiente, com conseqüente acúmulo de esfingomielina e outros lipídios no sistema monócito-fagocitário, presente em vários tecidos, incluindo o cérebro. O tipo C representa um erro no trânsito do colesterol exógeno, que é associado ao acúmulo intra-celular de colesterol não-esterificado. Neste tipo, a atividade da esfingomielinase é normal.
Na doença de Niemann-Pick tipo A, os primeiros sintomas aparecem entre três e nove meses de idade e caracterizam-se por aumento importante de baço e fígado e atraso do desenvolvimento psicomotor. Com a progressão da doença, aparecem convulsões, regressão psicomotora e aumento do tônus muscular.
O tipo B é caracterizado por ser fenotipicamente variável. O diagnóstico, geralmente, é suspeitado durante a infância, por causa do aumento do baço e do fígado. A maioria dos indivíduos com este tipo de patologia tem pouco ou nenhum envolvimento neurológico.
O tipo C tem apresentação clínica variada. O quadro clássico compõe-se de paralisia dos nervos motores oculares, deficiência de equilíbrio e incoordenação progressivas, movimentos involuntários e envolvimento cognitivo. Manifesta-se no final da infância. Pode apresentar-se, também, com tônus diminuído, atraso do desenvolvimento psicomotor, doença hepática neonatal ou perdas cognitivas no adulto.
Exames Complementares
  1. A presença de células esponjosas na medula óssea sugere o diagnóstico (células de Niemann-Pick).
  2. A confirmação dos Tipos A ou B é obtida através da análise da esfingomielinase em leucócitos ou fibroblastos. A classificação em tipo A ou B é feita pelo quadro clínico.
  3. Para estabelecer-se o diagnóstico do Tipo C são necessários exames mais complexos (dosagem de colesterol celular esterificado e colorações especiais de células de fibroblastos cultivados, disponíveis em poucos centros diagnósticos).
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Doença de Gaucher
Há depósito de cerebrosídios nos tecidos envolvidos, devido a deficiência da glicocerebrosidase. Apresenta-se sob três formas clínicas: crônica não neuronopática (Tipo 1), aguda neuronopática (Tipo 2) e sub-aguda neuronopática (Tipo 3), todas cursando com aumento de baço e fígado, lesões ósseas, e ocasionalmente acometendo outros órgãos.
O envolvimento do sistema nervoso central (cérebro e medula) só não ocorre no Tipo 1. Alterações hematológicas (trombocitopenia, anemia, mais freqüentemente) estão geralmente presentes em todos os tipos e podem ser as primeiras manifestações da doença de Gaucher.
O Tipo 1 cursa com idade de iníco da doença e gravidade variáveis, desde assintomática até quadros de citopenia periférica (anemia e diminuição das plaquetas e dos glóbulos brancos de ocorrência não freqüente), aumento de baço e fígado com provas de função hepática anormais e lesões ósseas que podem levar a fraturas patológicas.
No Tipo 2 a idade de início e o curso são heterogêneos. Há duas formas: a de início precoce e a de início tardio. Geralmente, o aumento do fígado é gigante. A doença cursa com distúrbio dos movimentos do globo ocular, aumento do tônus muscular, convulsões e movimentos involuntários ocasionalmente.
O Tipo 3 é de gravidade intermediária entre os dois tipos acima. O acometimento neurológico é mais tardio e menos grave do que o observado no Tipo 2. Pode iniciar-se desde o primeiro mês de vida até a adolescência, geralmente com aumento de baço e fígado. Em cerca de metade das crianças, o quadro neurológico aparece na primeira década de vida, geralmente com distúrbio dos movimentos do globo ocular, podendo deficência de equilíbrio e incoordenação iniciar-se posteriormente.
Exames Complementares
  1. A presença de células de Gaucher em aspirados de medula óssea sugere fortemente o diagnóstico.
  2. As lesões ósseas são observadas, no Raio X de ossos longos, como lesões líticas e deformidades ósseas, levando a imagens típicas, como o ´fêmur em frasco de Erlenmeyer’.
  3. A confirmação diagnóstica é obtida através da análise da b-glicosidase em leucócitos ou culturas de fibroblastos.
Tratamento
Recentemente, foi introduzido um preparado sintético da b-glicosidase para uso endovenoso. Os resultados são aparentemente bons no Tipo 1. O preço do preparado é bastante elevado.
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Leucodistrofia Metacromática
Doença autossômica recessiva causada pela deficiência de arilsulfatase A (cerebrosídeo sulfatase). O termo ‘metacromática’ é usado porque o material lipídico intracelular acumulado é corado de marrom ou dourado pelo azul de toluidina (corante utilizado para exames histológicos).
As alterações na forma infantil manifestam-se geralmente entre um ano e meio e dois anos de idade e caracterizam-se, inicialmente, por distúrbio da marcha, reflexos profundos diminuídos e tônus muscular diminuído. Perda cognitiva e aumento do tônus muscular ocorrem à medida que a doença progride. Existem também as formas juvenis e adulta, que apresentam curso mais protraído e manifestações variáveis conforme o tipo. As formas juvenis apresentam heterogeneidade clínica, iniciando-se entre quatro e 12 anos de idade, evoluindo com dificuldades cognitivas, déficit de equilíbrio e incoordenação, movimentos involuntários, atrofia do nervo óptico e aumento do tônus muscular nos quatro membros. A forma adulta inicia-se na puberdade e evolui com perdas cognitivas, psicose, déficit de equilíbrio e incoordenação e distúrbio dos movimentos nos quatro membros com aumento do tônus muscular. Há, ainda, uma forma rara de leucodistrofia metacromática causada, não pela deficiência da arilsulfatase A, mas da proteína ativadora do cerebrosídeo (SAP-1). O quadro clínico é indistinguível da forma juvenil.
É possível haver deficiência de arilsulfatase A sem o desenvolvimento de leucodistrofia metacromática, devido à presença de alelos mutantes que determinam baixa atividade da enzima (alelos da pseudo-deficiência de arilsulfatase A). A atividade enzimática pode superpor-se à de indivíduos com leucodistrofia metacromática, quando em homozigose. Estima-se que este alelo tenha frequência relativamente alta na população em geral.
Exames Complementares
  1. Demonstração da presença de processo de perda de mielina no encéfalo, preferencialmente por meio da ressonância magnética.
  2. Demonstração, por meio de exames neurofisiológicos, da presença de processo de perda de mielina (potencial evocado visual, potencial evocado sômato-sensitivo de membros superiores). A velocidade de condução nervosa é moderadamente reduzida, com exceção da forma adulta, onde pode ser normal.
  3. O diagnóstico é confirmado pela ausência ou deficiência da atividade da arilsulfatase A pesquisada nos glóbulos brancos ou cultura de fibroblastos, juntamente com um dos métodos acima.
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Gangliosidoses
As gangliosidoses são esfingolipidoses nas quais gangliosídios são depositados em grandes quantidades, principalmente no sistema nervoso central.
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Gangliosidose GM1
Ocorre sob três formas, todas causadas pela deficiência enzimática da beta-galactosidase ácida (genes alélicos).
Tipo 1 (forma infantil)
O quadro clínico lembra o da doença de Hurler e, por isso, foi por muitos anos conhecida como pseudo-Hurler. Alterações como infiltração de face e extremidades, bossa frontal, hipertrofia de gengivas e da língua podem ser evidentes ao nascimento. O aumento de fígado está geralmente presente depois dos seis meses de idade. Há atraso importante do desenvolvimento psicomotor com posterior regressão neurológica e as deformidades esqueléticas são semelhantes às encontradas na síndrome de Hurler (entre outras, cifoescoliose toracolombar, hipoplasia de vértebras e alargamento dos ossos longos). O ‘startle reflex’ (reflexo do susto) está habitualmente presente e um quadro convulsivo tem início a partir do sexto mês.
Tipo 2 (forma juvenil)
Os sintomas têm início mais tarde, em geral com déficit de equilíbrio e incoordenação, em torno dos 12 meses de idade. O curso da doença é mais lento e as alterações esqueléticas são mais discretas do que no Tipo 1.
Tipo 3 (forma adulta)
Início na adolescência ou na idade adulta. Apresentação clínica variável. A clínica pode caracterizar-se por disartria (dificuldade para articular a palavra), movimentos involuntários ou por um quadro de degeneração espinocerebelar (tônus muscular aumentado e déficit de equilíbrio e incoordenação), geralmente descrita como atípica. A doença é lentamente progressiva, podendo evoluir por vários anos.
Exames Complementares
  1. O estudo radiográfico do esqueleto mostra alterações características nas formas 1, 2 e 3.
  2. O diagnóstico pode ser confirmado através da dosagem da beta-galactosidase nos glóbulos brancos ou em cultura de fibroblastos.
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Doença de Tay-Sachs (Gangliosidose GM2, variante B; forma infantil)
Deficiência da hexosaminidase A. Herança autossômica recessiva. As alterações clínicas manifestam-se já nos primeiros meses de vida, sendo o ‘startle reflex’(reflexo do susto) e a irritabilidade os sintomas mais precoces. A criança apresenta diminuição do tônus muscular e não faz as aquisições motoras ou cognitivas. Os sintomas neurológicos progridem rapidamente. A presença de mancha cor de cereja na retina é achado característico, podendo estar presente também em outras esfingolipidoses. No entanto, a ausência da mancha não exclui o diagnóstico, pois esta pode aparecer mais tardiamente no curso da doença.
Existe uma variante da doença de Tay-Sachs, denominada variante B1. A atividade da hexosaminidase A é normal quando se usa o substrato não-sulfatado (o normalmente utilizado na rotina dos laboratórios especializados), mas apresenta atividade apenas residual (isto é, atividade zero ou quase zero) ao utilizar-se o substrato sulfatado (MUGS). O fenótipo pode ser do Tipo infantil tardio ou adulto.
Exames Complementares
O diagnóstico é confirmado através da dosagem das hexosaminidases, que mostra deficiência da hexosaminidase A.
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Doença de Sandhoff (Gangliosidose GM2, variante 0)
Deficiência de hexosaminidases A e B. Herança autossômica recessiva. Clinicamente, é indistinguível da deficiência de hexosaminidase A.
Exames Complementares
O diagnóstico é confirmado através da dosagem das hexosaminidases, que mostra deficiência tanto da hexosaminidase A quanto da B.
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Deficiência de Ativador do Gangliosídeo GM2 (variante AB)
Essa forma é causada não por deficiência de hexosaminidases, mas por falta do fator ativador GM2. Incidência muito rara. Somente a forma infantil foi até agora descrita. Clinicamente indistinguível das outras gangliosidoses GM2.
Exames Complementares
  1. As atividades das hexosaminidases A e B são normais ou aumentadas.
  2. Solicitar ao laboratório dosagem de hexosaminidases utilizando substrato natural.
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Glicogenoses
Nas glicogenoses há acúmulo de glicogênio em vários tecidos, devido a deficiência ou ausência de uma atividade enzimática específica. Mais de dez formas são conhecidas, sendo que, na maioria delas, a forma de herança é autossômica recessiva.
A causa das alterações clínicas durante o primeiro ano é, básicamente, a hipoglicemia. Convulsões são freqüentes. Pode haver atraso do desenvolvimento psicomotor, geralmente quando há acidose metabólica associada. Retardo do desenvolvimento somático, fraqueza muscular e aumento do fígado são manifestações quase sempre presentes. Freqüentemente, a história sugere ainda acidose de grau variável, que pode ser associada a acidemia lática.
O envolvimento do cérebro é geralmente secundário à hipoglicemia e ocasional, exceto na Doença de Pompe, na qual o acúmulo de glicogênio ocorre também no sistema nervoso central, principalmente na medula espinhal e no tronco cerebral.
Exames Complementares
Os exames citados abaixo não autorizam estabelecer-se o diagnóstico de glicogenose, mas auxiliam a caracterizar qual glicogenose deverá ser investigada. Geralmente, faz-se primeiro a biópsia de fígado ou muscular, dependendo da sintomatologia apresentada pela criança, para demonstração de acúmulo de glicogênio. Caso isto seja verificado, os exames abaixo devem ser realizados para classificação da glicogenose:
  1. Sangue: glicose, ácido lático, ácido úrico, colesterol, triglicérides e creatino-quinase.
  2. Radiografia de tórax para avaliar a área cardíaca (a Doença de Pompe causa cardiomegalia).
  3. Uma vez classificada clínico-laboratorialmente a glicogenose, apesar das dificuldades em se conseguir um laboratório que realize a análise, é possível conseguir-se a dosagem da enzima específica.
DESORDENS DO METABOLISMO DO COBRE E DAS PURINAS
Doença de Wilson
Esta desordem não é causada, ao contrário do que se acreditava anteriormente, pela deficiência ou ausência de ceruloplasmina, que é uma proteína transportadora do cobre. A doença de Wilson é caracterizada por depósito anormal deste metal nos tecidos, com degeneração principalmente do fígado e dos gânglios da base (núcleos localizados no centro do cérebro relacionados com o controle dos movimentos). A herança é autossômica recessiva.
A clínica é bastante variável. As alterações hepáticas podem preceder os sintomas neurológicos, principalmente em crianças abaixo de cinco anos de idade. Quando o início é mais tardio, acima de 10 anos de idade, a doença manifesta-se com movimentos involuntários, disartria (dificuldade para articular a palavra), rigidez dos membros e incoordenação motora. O anel corneano de Kayser-Fleischer (pigmentação em forma de anel, em torno da iris), é sinal patognomônico. Pode ser observado a olho nu ou através da lâmpada de fenda e está presente em todos os pacientes com manifestações neurológicas.
O curso pode ser agudo mas geralmente é lentamente progessivo. Distúrbios de comportamento podem ser observados por meses ou anos, mesmo na ausência de alterações hepáticas ou neurológicas. Outros sintomas de apresentação incluem crises hemolíticas agudas, dores articulares, cálculo renal, doença pancreática, cardiomiopatia e hipoparatireoidismo. A doença de Wilson não é causa de retardo mental, como descrito previamente.
Exames Complementares
  1. O diagnóstico é confirmado através de níveis séricos bastante diminuídos de ceruloplasmina e aumento da eliminação de cobre urinário.
  2. A tomografia computadorizada de crânio demonstra áreas de hipodensidade ao nível dos gânglios da base (núcleos localizados no centro do cérebro relacionados com controle dos movimentos), mas somente em uma minoria de pacientes com sintomatologia neurológica.
  3. A ressonância magnética de encéfalo pode mostrar sinal de alta intensidade ao nível dos gânglios da base nos estudos em T2 e atrofia e lesões de substância branca subcortical, também somente em uma minoria dos indivíduos com doença neurológica.
Tratamento
  1. D-Penicilamina oral. O tratamento deve ser acompanhado através da dosagem do cobre urinário.
  2. A associação de piridoxina é necessária pois a penicilamina induz sua deficiência.
  3. A associação de corticosteroides pode aliviar os efeitos colaterais da penicilamina tais como síndrome nefrótica, trombocitopenia e sintomas miastênicos.
  4. O sulfato de zinco oral constitui alternativa de tratamento.
Prognóstico
As crianças com alterações puramente hepáticas geralmente mostram boa resposta ao tratamento, desde que ainda não tenham desenvolvido cirrose. Cerca de 50 por cento das crianças com alterações neurológicas apresentam resposta satisfatória. As com alterações hepáticas e neurológicas associadas têm pior prognóstico.
O objetivo do tratamento é remover o cobre dos tecidos ou prevenir o seu acúmulo, no caso de pacientes que ainda não desenvolveram os sinais da doença. O rastreamento familiar para pesquisa de homozigotos deve, portanto, ser feito imediatamente e o tratamento iniciado mesmo em assintomáticos.
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Síndrome de Lesch-Nyhan
Déficit de hipoxantina-guanina fosfo-ribosil transferase (HGPRT), enzima que atua no metabolismo das purinas. Como conseqüência há um aumento importante da produção de ácido úrico que resulta em várias complicações por causa do aumento do ácido úrico no sangue. Herança ligada ao cromossomo X.
As crianças são aparentemente normais ao nascimento, mas durante os primeiros meses de vida desenvolvem vômitos e passam a eliminar cristais de cor laranja-marrom na urina. Diminuição do tônus muscular e regressão psicomotora têm início ainda no primeiro ano de vida. No final do primeiro ano ou início do segundo, a diminuição do tônus muscular é substituída por movimentos involuntários. Com a evolução da doença, surge aumento do tônus muscular e, nesta fase, os movimentos involuntários tornam-se progressivamente menos evidentes. Entre dois e quatro anos de idade, às vezes mais tarde (até 16 anos), aparece a automutilação (a criança morde os lábios e as pontas dos dedos, determinando perda de tecido) que, embora seja considerada sinal característico da doença, está ausente em 15 por cento dos casos.
Exames Complementares
  1. Níveis elevados de ácido úrico plasmático.
  2. A análise enzimática pode ser feita no sangue, fibroblastos e células amnióticas.
  3. Técnicas de genética molecular podem ser úteis tanto para o diagnóstico de indivíduos doentes quanto para a identificação de portadores assintomáticos.
Tratamento
  1. A administração de alopurinol oral diminui a concentração de ácido úrico no sangue, prevenindo as complicações renais, articulares e hematológicas, mas nenhum efeito sobre o sistema nervoso central é observado.
  2. Talas bem ajustadas ao nível dos cotovelos e adaptações na cadeira de rodas podem reduzir as mutilações.
  3. Tentativa de modificação do comportamento através de orientações adequadas à família.
  4. Extração dentária para os casos mais graves.

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